Estudo da produção de hidrogênio por eletrólise alcalina a partir de fonte de energia fotovoltaica
Palavras-chave:
Hidrogênio Verde, Eletrólise Alcalina, Energia Fotovoltaica, Armazenamento de HidrogênioResumo
A crescente necessidade de transição para fontes de energia limpa impulsionou pesquisas voltadas à produção de energia elétrica com baixo impacto ambiental. Diante disso, este projeto tem como foco a viabilidade da produção de hidrogênio por rota tecnológica isenta de carbono, via processo de eletrólise alcalina da água, utilizando fonte de energia fotovoltaica. Tal abordagem integra tecnologias promissoras para a descarbonização, alinhando-se às metas estabelecidas no Acordo de Paris (COP 21) de conter o aquecimento global em até 1,5 ºC.
O estudo surgiu como resposta à demanda por soluções energéticas sustentáveis que substituam combustíveis fósseis — responsáveis por 96% da produção global de hidrogênio, segundo a EIA (2019).
Objetivo
O objetivo geral consiste em explorar a rota tecnológica de produção do hidrogênio a partir da eletrólise alcalina, tendo como fonte energética a energia fotovoltaica, o assim chamado “hidrogênio verde”, como alternativa para diferentes aplicações industriais e de geração de energia elétrica. Para isso, foram definidos os seguintes objetivos específicos:
- Estudo da tecnologia de produção de hidrogênio via eletrólise da água;
- Dimensionamento de eletrolisadores e sistemas fotovoltaicos;
- Construção de um protótipo experimental de sistema eletrolisador alcalino com fonte de energia fotovoltaica;
- Avaliação da eficiência do sistema proposto com relação ao modelo teórico;
Metodologia
A metodologia adotada se dividiu em etapas de pesquisa bibliográfica, visitas técnicas e atividades práticas de construção e análise do sistema experimental. Dentre as atividades destacam-se:
- Levantamento teórico sobre produção de hidrogênio, eletrólise e energia fotovoltaica;
- Definição de premissas para o dimensionamento dos sistemas;
- Construção do protótipo de eletrolisador e reservatório de hidrogênio;
- Realização de experimentos para avaliar a eficiência de produção do hidrogênio com relação ao modelo teórico e os possíveis parâmetros intervenientes dessa eficiência
Resultados
O hidrogênio verde é produzido sem emissões de Carbono (), Metano (), e outros gases de efeito estufa à atmosfera, utilizando fonte de energia renovável, como eólica e solar, através do processo de eletrolise da água. O processo de geração de hidrogênio por eletrólise é um método conhecido desde o início do século passado (Santos & Sequeira, 2009). Existem diversas tecnologias para a produção de hidrogênio por eletrólise, tais como: eletrólise alcalina, membrana de troca de próton, células eletrolíticas de óxido sólido e membrana de troca aniônica (INTERNATIONAL RENEWABLE ENERGY AGENCY, 2022). Dentre essas técnicas, a eletrólise alcalina se destaca por seu custo competitivo, com eficiência atual de 50-60%, que pode alcançar 60-65% até 2030 mediante avanços tecnológicos (INTERNATIONAL ENERGY AGENCY, 2019). Essa eficiência refere-se à eficiência energética do processo, ou seja, à proporção da energia elétrica consumida que é efetivamente convertida em energia química no hidrogênio gerado, desconsiderando perdas térmicas e outras ineficiências do sistema.
A eletrólise da água é uma técnica consagrada para essa produção, em que a molécula de água é separada em oxigênio e hidrogênio por meio de corrente elétrica. Apesar de ser considerada uma via limpa para obtenção de hidrogênio, com alto grau de pureza, a eletrólise ainda exige um elevado consumo de energia elétrica. Entre os diferentes tipos de eletrólise existentes, destaca-se a eletrólise alcalina, que é uma das formas mais utilizadas e desenvolvidas atualmente. Esse tipo de eletrólise utiliza uma solução alcalina (como hidróxido de potássio – KOH) como meio condutor, sendo reconhecida por sua boa eficiência energética e viabilidade técnica para aplicações em escala industrial (INTERNATIONAL ENERGY AGENCY, 2019; INTERNATIONAL RENEWABLE ENERGY AGENCY, 2022).
Assim, as tecnologias relacionadas ao hidrogênio verde são reconhecidas como alternativas viáveis aos combustíveis fósseis, devido à sua capacidade de reduzir significativamente as emissões locais de poluentes (BENNET, 2019). Além disso, o hidrogênio apresenta um poder calorífico massivo aproximadamente três vezes maior (120 MJ/kg) que o do gás natural (50 MJ/kg), gasolina (44 MJ/kg) e diesel (45 MJ/kg), o que justifica o crescente interesse por sua aplicação energética (U.S. DOE, 2023).
O princípio que rege a energia fotovoltaica é o aproveitamento da energia das ondas eletromagnéticas provenientes do sol para a liberação do elétron da camada de valência dos átomos de material semicondutor - silício, com base no “efeito fotovoltaico”, seguido de direcionamento desses elétrons livres em circuito elétrico para geração de corrente elétrica. A eficiência do sistema fotovoltaico é influenciada pela irradiância solar incidente na localidade, posicionamento dos painéis fotovoltaicos com relação ao Norte geográfico e plano horizontal, assim como temperatura e tecnologia dos diferentes modelos de células e painéis fotovoltaicos.
O projeto desenvolvido no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – Câmpus Itaquaquecetuba (IFSP-ITQ) atingiu seu principal objetivo ao implementar e testar com sucesso um sistema integrado de geração de hidrogênio verde, composto por painel fotovoltaico, eletrolisador alcalino e reservatório de armazenamento. A efetiva produção de hidrogênio foi demonstrada mesmo sob condições de insolação subótima – por conta do clima nublado e horário ao entardecer, que reduz a potência, e a corrente disponível para o eletrolisador, confirmando a viabilidade técnica do sistema. Contudo, a comparação entre os resultados experimentais e o modelo matemático proposto revelou um rendimento inferior ao esperado, atribuído principalmente à baixa densidade de corrente em relação ao valor sugerido na literatura. Esses achados sugerem a possiblidade de otimização, em estudos futuros, de parâmetros como área dos eletrodos, seleção de materiais e controle térmico do eletrólito, fatores críticos para a eficiência da eletrólise (CARMO et al., 2013).
A célula eletrolítica foi construída seguindo metodologia adaptada de Palhares (2016), com volume útil de 15 dm³ e equipada com uma membrana separadora em acrílico para evitar a recombinação dos gases. Os eletrodos foram fabricados em aço inoxidável AISI 304, material escolhido por sua resistência à corrosão em meios alcalinos (YU; LI; SUN, 2016), fixados por soldagem em barras cilíndricas do mesmo material. A solução eletrolítica empregada consistiu em água destilada e hidróxido de potássio (KOH) a 37% (6,6 mol/L), concentração que equilibra condutividade iônica e estabilidade química (ZHANG, 2010). O sistema de vedação, utilizando silicone, garantiu estanqueidade mesmo sob pressões moderadas.
Para armazenamento, foi desenvolvido um reservatório em acrílico com volume útil de 13 dm³, dotado de escala métrica para medição indireta do volume de hidrogênio via deslocamento de água. No decorrer do experimento foram constatadas inadequações na forma construtiva adotada, que comprometeu a funcionalidade pretendida do reservatório em mensurar o volume de gás produzido, com ajuda de régia graduada posicionada nas paredes do reservatório, problema que poderia ser mitigado com a adoção de um gasômetro – solução proposta para trabalhos futuros, pois permite melhor controle de pressão e segurança (SCHMIDT et al., 2017).
A alimentação elétrica foi fornecida por uma fonte Minipa MPS-3005B (30 V/5 A). Para dois níveis de corrente utilizadas, de 3A e 5A, foi obtida uma taxa de produção de hidrogênio de 10,1 ml/min e 30 ml/min, respectivamente. Comparando-se a taxa de produção efetiva com a previsão segundo modelo matemático, qual seja 22,8 ml/min (corrente 3A) e 38 ml/min (corrente 5A), obtêm-se uma eficiência relativa de produção de 44,3% e 78,9%, respectivamente, com relação ao modelo matemático. A densidade de corrente utilizada experimentalmente (30–50 A/m²) foi significativamente menor que a faixa ideal (1000–3000 A/m²) indicada na literatura, sugerindo uma possível explicação para as eficiências obtidas.
O projeto validou o potencial da integração fotovoltaico-eletrólise para produção de hidrogênio verde, e identificou aspectos interessantes para investigação experimental em trabalhos futuros:
- Eficiência: Investigação da influência de parâmetros que podem influenciar de maneira relevante a eficiência do sistema, tais como (i) materiais dos eletrodos (e.g., revestimento com níquel ou ligas de Ni-Co), que reduzem o sobre potencial (LI et al., 2024), ou diferentes valores de densidade de potência (ZHANG, 2010).
- Armazenamento: utilização de gasômetro ou tanques metálicos com regulagem de pressão para armazenamento e controle de produção do hidrogênio.
- Escalonamento: Estudo de viabilidade econômica de sistemas acima de 10 kW, que, segundo o sugerido pela literatura, tornam-se competitivos (IRENA, 2020).
Considerações finais
O projeto confirmou o potencial da integração entre sistemas fotovoltaicos e a eletrólise da água para a produção de hidrogênio verde, evidenciando sua viabilidade como alternativa sustentável de geração de energia. Durante o desenvolvimento, foram identificados aspectos relevantes para aprofundamento em trabalhos futuros, como a otimização da eficiência do sistema a partir da escolha de materiais e parâmetros operacionais, o desenvolvimento de estratégias adequadas para o armazenamento seguro do hidrogênio e a análise da viabilidade econômica para escalonamento de plantas em maior escala. Essas frentes de estudo representam oportunidades promissoras para fortalecer ainda mais a aplicação prática da tecnologia e impulsionar sua contribuição para a transição energética.
Referências
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