Um projeto para o Brasil

as influências dos estados unidos na educação técnica e industrial nos anos 1940 e 1950

Autores

Palavras-chave:

História do Brasil; Política; Anticomunismo; Educação; Ensino Técnico

Resumo

Introdução: O processo de construção da identidade de um país ou uma de suas dimensões não é tarefa simples, fruto da obra de um indivíduo ou dotada de linearidade. Entende-se que os valores de um país, percebidos como aqueles socialmente aceitos, válidos e reforçados por uma comunidade de um determinado território dotado de soberania, ao contrário, são caracterizados por contradições, por problemas e disputas por poder – seja ele – político, econômico e/ou cultural. Como fruto de um projeto de pesquisa de nível médio, pretende-se apresentar algumas reflexões acerca do que vivenciou o Brasil no período dos anos 1940 e 1950 por ocasião da influência dos Estados Unidos da América (EUA) no campo educacional técnico e industrial especificamente através dos Boletins da Comissão Brasileiro - americana de Educação Industrial (CBAI). A referida comissão foi criada no ano seguinte ao final do Estado Novo (1945) e as regras do contrato de criação do grupo previam uma divisão em termos de responsabilidade diretiva, de recursos e técnica entre brasileiros e estadunidenses, preconizando uma suposta igualdade de condições (Falcão e Cunha, 2009). É importante notar que o contexto geral da época era mercado pelo início da Guerra Fria e o interesse dos Estados Unidos ultrapassava esses contornos – por assim dizer – isonômicos. Bordignon (2018, p.48-49) aponta que algumas regras protegiam os integrantes dos estadunidenses em casos de processos jurídicos, reafirmando os indícios do já mencionado “alinhamento sem recompensa”, conforme expressão forjada por Gerson Moura (2021). Em termos práticos, a CBAI trabalhou para que houvesse o estreitamento das relações entre Brasil e Estados Unidos no campo da educação industrial, sabendo não apenas da realidade local brasileira, das recentes Leis Orgânicas da Educação (conhecidas popularmente como Reforma Capanema) aprovadas entre 1942 a 1946, mas dos aspectos políticos e ideológicos que a classe trabalhadora poderia estar imersa caso fosse cooptada pelo crescimento da popularidade do socialismo soviético no contexto de Guerra Fria. Objetivo: o objetivo geral da pesquisa consistiu em compreender as relações entre Brasil e Estados nas décadas de 1940 e 1950 no que diz respeito ao campo educacional técnico e industrial. Para tanto foram elaborados objetivos específicos, a saber: analisar o período de experiência liberal - democrática após o fim do Estado Novo no Brasil (1937-1945) notadamente a influência estadunidense e do anticomunismo; investigar o papel do Escritório de Assuntos Interamericanos relativamente ao campo político, cultural e educacional no Brasil; identificar os agentes envolvidos no processo de aproximação bilateral, bem como suas trajetórias e avaliar, a partir dos boletins da Comissão Brasileiro - americana de Educação Industrial (CBAI),  as consequências do relacionamento bilateral para o campo educacional brasileiro. Metodologia: o projeto foi estruturado a partir de uma revisão bibliográfica a respeito da temática Brasil - Estados Unidos nas décadas de 1940-1950 contando com livros, artigos e dois conjuntos de fontes primárias envolvendo os documentos produzidos pelo Escritório de Assuntos Interamericanos (1941-1946), em específico os boletins da Comissão Brasileiro - americana de Educação Industrial (CBAI). A seleção de textos em obras de referência bem como artigos foi feita por meio de pesquisas em portais de periódicos e afins de modo a permitir à equipe (orientador e orientanda) o cotejamento adequado com as fontes primárias mencionadas. Todas as fontes primárias estavam disponíveis em arquivos virtuais, permitindo a realização adequada do projeto de pesquisa aqui apresentado. Resultados: Em 1941, ainda com os Estados Unidos fora da guerra, foi criado o Office for Inter-American Affairs  – Escritório de Assuntos Interamericanos – que teria por função trabalhar pelo interesse da “solidariedade hemisférica”, bem como a compra preferencial de produtos oriundos da América Latina, contribuindo para o desenvolvimento da região de “bons vizinhos” do governo daquele país (USA, 1947, p.12-13). Dado o momento histórico, o escritório fora aberto para o enfrentamento das lacunas deixadas pelas exportações vindas da Europa, envolvida em uma guerra sem perspectiva de término àquele momento. O indivíduo responsável pela instituição, Nelson Aldrich Rockefeller, foi nomeado pelo então presidente Franklin Delano Roosevelt e teria como responsabilidade cuidar do estreitamento dos laços intercontinentais. Valdez (2011, p.2-4) aponta que a trajetória do Escritório de Assuntos Interamericanos estava ligada ao projeto de poder dos Estados Unidos como executor da “política da boa vizinhança”, o que significava construir uma narrativa favorável à superpotência da América do Norte através do fortalecimento das relações bilaterais. Mas é importante compreender que essa narrativa não era simplesmente um discurso ou ainda uma postura meramente retórica. Era preciso que ela fosse, de alguma forma, colocada em prática para fazer sentido, ser compreendida pelo outro lado, ou seja, pelo Brasil e pelos brasileiros. Moura (2021, p. 34) sendo citado por Valdez (2011) discute essa questão através do intercâmbio entre artistas, a produção de revistas e filmes que tinham por finalidade aproximar os dois países. Contudo o estreitamento não se restringiu ao campo da cultura e da nascente indústria cultural nos Estados Unidos: haviam divisões no Escritório que cuidavam de questões relacionadas à saúde, do treinamento de enfermeiros e até mesmo de transportes, tendo participado inclusive da construção de rodovias brasileiras. A comissão intitulada “CBAI” foi criada no ano seguinte ao final do Estado Novo: 1946 e em termos práticos procurou se fazer presente através de boletins a serem destinados aos trabalhadores - estudantes do ensino técnico e industrial brasileiro. Conforme destacam Neto e Costa (2019, p.9), eles possuíam a seguinte estrutura: : I – Editorial; II – Problemas de Educação; III – Documentário e; IV – Noticiário. Na edição inaugural, de janeiro de 1947, ficam evidentes os objetivos da publicação: 1) informar a todos os interessados sobre o desenvolvimento e o progresso industrial do Brasil; 2) Publicar artigos especiais sobre o ensino industrial no Brasil; 3) Apresentar informação específica de utilidade para professores e diretores de estabelecimentos de ensino industrial (CBAI, 1947a). Nos boletins analisados por esta pesquisa foi possível identificar questões relativas ao cuidado com o processo educacional no sentido de fornecer autonomia às escolhas profissionais e educativas dos estudantes, mas que, ao contrário e em essência, procuravam garantir o controle destas mesmas escolhas por parte dos empregadores. A tônica segue assim nos demais volumes do final da década de 1940 e início dos anos 1950. Havia uma preocupação com o currículo que as escolas técnicas e industriais fosse moldado. Fonseca (1986) escreve sobre a “disciplina escolar” e em seu texto são apresentadas noções que vão ao encontro do que o momento histórico oportunizava, tais como a relação entre a disciplina, a ordem e o progresso, rememorando o positivismo típico dos militares brasileiros da segunda metade do século XIX e que foi incorporado à cultura política nacional posteriormente. Este valor, o do patriotismo com verniz nacionalista, também estava presente nas entrelinhas dos boletins, conforme destaca Souza e Medeiros Neta (2021). O tecnicismo, marca destas recomendações e do contexto dos boletins da CBAI, conforme aponta Marques (2021), atuou no sentido de aperfeiçoar a “ordem social vigente (o sistema capitalista), articulando-se diretamente com o sistema produtivo; para tanto, empregou a ciência da mudança de comportamento, ou seja, a da tecnologia comportamental”. Em outras palavras e ainda segundo o autor, o objetivo desta “pedagogia” era gerar trabalhadores competentes para o mercado sem que se preocupassem com as mudanças sociais. É curioso perceber que o governo brasileiro, embora explicitamente alinhado ao dos Estados Unidos – também – por ocasião dos boletins da CBAI, pelo menos no tocante ao Poder Executivo, passava por turbulências e atritos no início dos anos 1950. A recondução de Getúlio Vargas à presidência da República em janeiro de 1951 colocaria o país em rota de colisão com os interesses de dominação do país da América do Norte. Estes desdobramentos representam um campo rico de análise para futuras pesquisas na área envolvendo a história política e a educação técnica e industrial do Brasil. Conclusão: O panorama desvelado pelos boletins do CBAI e antes pelo Escritório de Assuntos Interamericanos no período de 1940 e 1950 no Brasil revela uma série de elementos importantes para se discutir os caminhos da educação técnica e industrial no Brasil, entre eles o destaque para a competência no trabalho e sua consequente valorização individual, a solidariedade interamericana, entendida como a benevolência dos EUA em relação ao restante do continente e a articulação entre a cultura técnica, o tecnicismo e a cultura geral, esta última voltada para o fortalecimento do patriotismo e do nacionalismo.

Biografia do Autor

Maria Eduarda Albani, FCLAR-UNESP Araraquara/IFSP Campus Catanduva (Egressa)

Possui o curso técnico em Química Integrado ao Ensino Médio no IFSP Campus Catanduva (2022-2024) e atualmente cursa Ciências Socais na Faculdade de Ciências e Letras - Câmpus de Araraquara. 

Gabriel Terra, IFSP Campus Catanduva

Possui experiência na área de História, com ênfase nem História Política, História do Brasil e História das Relações Internacionais do Brasil republicano (Primeira República). Possui mestrado e o doutorado em História e Cultura Política pela Universidade Estadual Paulista - UNESP - campus Franca. É autor de textos em revistas científicas e capítulos de livros, além de ter publicado os livros "A diplomacia da americanização de Salvador de Mendonça (1889-1898)" pela Editora Cultura Acadêmica e "História e diplomacia na trajetória de Hélio Lobo (1908-1939)" pela Editora Appris em 2022. Compôs como representante titular o segmento docente o Conselho de Câmpus (Concam) entre 2023 e 2024, foi coordenador de Extensão entre 2017 e 2019 e representou, entre 2019-2021, o segmento docente no Conselho de Extensão (CONEX) da mesma instituição. Atualmente é professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, campus Catanduva e tem desenvolvido desde 2019 projetos de pesquisa e extensão nas áreas de história, política externa, Direitos Humanos e afins.

Referências

BORDIGNON, T. F. Revolução burguesa e ensino profissional: o protagonismo da Comissão Brasileiro-Americana de Educação Industrial (1946-1961). Tese (Doutorado em Educação), Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2018. Disponível em: https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/10370?show=full. Acesso em 04 mar. 2025.

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__________. Rio de Janeiro: Comissão Brasileiro-Americana de Educação Industrial, 1947-1957, n. 4, 1948.

__________, Rio de Janeiro: Comissão Brasileiro-Americana de Educação Industrial, 1947-1957, n. 4, 1951a.

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Arquivos adicionais

Publicado

2025-05-30