Impactos do ensino remoto emergencial na aprendizagem de alunos da educação básica

reflexões sobre o fracasso escolar e a pandemia da COVID-19

Autores

  • Sabrina Vitória Maller Universidade Estadual de Maringá, UEM
  • Sharmilla Tassiana de Souza Universidade Estadual de Maringá, UEM
  • Solange Franci Raimundo Yaegashi Universidade Estadual de Maringá, UEM

Resumo

Introdução: O fracasso escolar na Educação Básica constitui uma preocupação antiga no campo da pesquisa educacional brasileira, evidenciada por uma expressiva produção acadêmica sobre o tema (Yaegashi, 1997; Coutinho, 2022). Nas décadas de 1970 e 1990, diversas correntes teóricas se dedicaram à análise e compreensão do fenômeno que afetava milhares de crianças e adolescentes em todo o país, buscando identificar suas causas. As pesquisas realizadas nesse período atribuem o baixo desempenho escolar a fatores de natureza cognitiva, social, cultural e psicológica (Oliveira, 2014; Ferreira et al., 2014; Delpra, 2017; Zientarski, 2016; Patto, 2015; Bocces, 2017; Rego, 2017). Entretanto, Coutinho (2022) destaca que são poucos os estudos que atribuem ao sistema de ensino a responsabilidade pelo fracasso escolar. Por sua vez, Charlot (2000) argumenta que o chamado fracasso escolar não constitui um único objeto de estudo, mas sim um conjunto de fenômenos distintos, como a repetência, a evasão e os transtornos de aprendizagem. Sob essa perspectiva, Petersen, Meneghel e Rausch (2023) afirmam que o fracasso escolar é resultado de uma multiplicidade de fatores interligados, os quais não podem ser compreendidos de forma isolada, pois estão inseridos em um conjunto complexo de elementos que influenciam o processo formativo e de aprendizagem dos estudantes. Zonta e Meira (2007), por sua vez, apontam que muitas teorias educacionais atribuem aos próprios estudantes a origem do fracasso escolar. Dessa forma, os alunos passam a ser vistos como os principais responsáveis por seu baixo rendimento, enquanto suas famílias são frequentemente caracterizadas como negligentes, desinteressadas ou desestruturadas. Já os profissionais da educação, como professores e coordenadores, tendem a não assumir responsabilidade pelo insucesso dos alunos — postura que pode ser observada em interações informais entre docentes, reuniões pedagógicas e conselhos de classe (Coutinho, 2022). Além disso, é bastante comum que estudantes com baixo desempenho escolar sejam encaminhados a diferentes profissionais da área da saúde. No entanto, tanto a escola quanto os docentes raramente refletem criticamente sobre as metodologias que utilizam, tampouco sobre seu papel como agentes de transformação no contexto educacional e social (Coutinho, 2022). Gomes e Pedrero (2015) evidenciam que esses encaminhamentos ocorrem com maior frequência no primeiro ciclo do ensino fundamental, sendo o segundo ano o que concentra o maior número de casos (21,56%). Em relação à origem dos encaminhamentos, as autoras identificam a escola como o principal agente responsável (50%), tendo o professor como a principal fonte de informação (50%). Dessa forma, observa-se que tanto os professores quanto o sistema educacional tendem a transferir para outros profissionais a responsabilidade de identificar as causas do fracasso escolar, atribuindo unicamente ao aluno a culpa por seu insucesso, sem revisar suas próprias práticas pedagógicas ou considerar os fatores internos da escola como parte do problema (Coutinho, 2022). Com a chegada da pandemia da Covid-19, as dificuldades enfrentadas por alunos que já apresentavam histórico de fracasso escolar tornaram-se ainda mais visíveis. Nesse contexto, Blengini e Rodrigues (2021) destacam que, entre março de 2020 e outubro de 2021, três alternativas foram apontadas como soluções possíveis para evitar o agravamento do fracasso escolar entre a população mais vulnerável: o ensino remoto integral, o modelo híbrido e a constatação da incapacidade do poder público em oferecer adequadamente ambos os formatos, além da expressiva queda nas matrículas de escolas privadas. No entanto, nenhuma dessas propostas leva em conta que o fracasso escolar é uma característica estrutural e persistente da sociedade brasileira, cujas raízes remontam a processos históricos de longa duração. Além disso, tais alternativas ignoram as condições materiais em que grande parte da população brasileira se encontrava durante a pandemia, desconsiderando o fato de que muitos alunos e professores não dispunham de acesso adequado às tecnologias digitais indispensáveis ao ensino remoto. Neves, Fialho e Machado (2021) argumentam que a crise sanitária intensificou as desigualdades sociais já existentes, agravadas pelo legado das políticas neoliberais. Nesse contexto, embora o ensino remoto emergencial tenha sido proposto como resposta à suspensão das aulas presenciais, sua implementação acabou por excluir aqueles com acesso limitado aos recursos digitais. Isso porque as experiências vividas durante a pandemia foram marcadas por profundas desigualdades entre diferentes classes sociais, grupos raciais, regiões – tanto urbanas quanto rurais – e entre famílias, docentes e estudantes. A partir dessas considerações iniciais, a problemática que se pretende investigar, pode ser evidenciada por meio da seguinte questão: Quais os impactos do ensino remoto emergencial, utilizado durante a pandemia da Covid-19, sobre o processo de aprendizagem dos alunos da Educação Básica?  Objetivos: investigar as relações entre o ensino remoto emergencial e o baixo rendimento escolar dos alunos da Educação Básica. Esse objetivo desdobra-se em três objetivos específicos: 1) Realizar uma revisão teórica sobre o fracasso escolar ao longo dos tempos; 2) Discutir as dificuldades encontradas para a implementação do ensino remoto emergencial; 3) Refletir acerca do agravamento do quadro do fracasso escolar dos estudantes da Educação Básica em decorrência do período pandêmico. Metodologia: a fim de atender aos objetivos propostos, foi realizada uma revisão de literatura do tipo estado do conhecimento, com base na análise de artigos científicos relacionados à temática da pesquisa. A seleção dos estudos utilizou os seguintes descritores: “pandemia de Covid-19”; “dificuldades de aprendizagem”; “fracasso escolar” e “educação básica”. Os descritores foram combinados por meio do operador booleano AND, possibilitando diferentes composições durante a busca. Como critérios de inclusão, consideraram-se artigos escritos em língua portuguesa, avaliados por pares e que tratassem especificamente dos impactos do ensino remoto emergencial na Educação Básica. Por outro lado, foram excluídas as produções que não respondiam à questão central da pesquisa. Resultados: A revisão evidenciou que a pandemia gerou impactos significativos e desgastes psicológicos tanto em alunos quanto em professores. Esses sujeitos passaram a conviver diariamente com múltiplos fatores estressantes, como o confinamento prolongado, a ausência de contato social, o receio de contágio próprio ou de familiares, além da carência de espaço físico e de recursos tecnológicos em seus lares. A adoção do ensino remoto emergencial exigiu que os docentes buscassem e explorassem novas ferramentas digitais, aprendessem a utilizá-las e as adaptassem às diversas realidades educacionais, recorrendo a métodos de ensino alternativos. No entanto, apesar do empenho dos professores durante esse período, o fenômeno do fracasso escolar se agravou, sobretudo entre os estudantes pertencentes aos grupos socialmente mais vulneráveis. Os estudos indicam, ainda, que a aprendizagem ficou mais prejudicada nas disciplinas de Matemática, Física, Ciências e outras que envolviam aulas práticas, por conta da falta de possibilidade de mediação dos professores. Conclusão: Conclui-se, que os estudos do tipo estado do conhecimento oferecem um panorama abrangente das pesquisas desenvolvidas sobre o tema e, ao mesmo tempo, permitem identificar lacunas ainda não exploradas, apontando possibilidades para futuras investigações.

Biografia do Autor

Sabrina Vitória Maller, Universidade Estadual de Maringá, UEM

Graduanda do curso de Pedagogia, pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET Pedagogia), financiado pelo FNDE. Pesquisadora do Programa de Iniciação Científica (PIC), da Universidade Estadual de Maringá (UEM). 

Sharmilla Tassiana de Souza, Universidade Estadual de Maringá, UEM

Doutoranda e mestra em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Escola, Família e Sociedade (GEPEFS)

Solange Franci Raimundo Yaegashi, Universidade Estadual de Maringá, UEM

Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAM)). Universidade Estadual de Maringá (UEM), Maringá-PR.

Referências

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Arquivos adicionais

Publicado

2025-05-28