Uma análise bibliográfica sobre o uso de RCD como agregado em substituição parcial da areia em argamassas
Resumo
Introdução: Com o desenvolvimento constante da construção civil, estima-se que são gerados cerca de 48 milhões de toneladas de Resíduos de Construção e Demolição (RCD) no Brasil, equivalente a 227 quilos de materiais de entulho por habitante. Cerca de 30% dos resíduos são produzidos pela construção civil (Betini, 2024). O consumo elevado de recursos naturais e a geração de grande quantidade de resíduos acaba gerando impactos ao meio ambiente. Os RCD acabam se tornando rejeitos, não possuindo mais utilidade, sendo a grande maioria destinados a aterros ou descartados em lugares impróprios, acarretando problemas urbanos, sociais e econômicos. Diante deste cenário, a reciclagem ou a reutilização dos RCD seria a melhor solução para reduzir o volume de entulhos gerados pela construção civil. Assim sendo, a utilização dos RCD como agregado miúdo para a produção de argamassas constitui uma das soluções sustentáveis para o referido problema, e por esta razão, muitos estudos sobre o uso de RCD em argamassas têm sido realizados. Objetivo: Este estudo teve como objetivo reunir, através de uma revisão bibliográfica, pesquisas sobre a utilização de alguns dos tipos de RCD como agregado miúdo em argamassas, analisando o processo de preparo do resíduo, seus resultados e possíveis formas de aplicação do material em obras a fim de diminuir o volume desses resíduos. Metodologia: A metodologia utilizada neste estudo se baseou em apresentar alguns estudos nacionais realizados nos últimos anos, com diversos tipos de RCD utilizados como agregado miúdo em argamassas, buscando dados acadêmicos em portais de pesquisa, tais como CAPES, Google Acadêmico, SciELO, revistas e congressos. Resultados: Rudnitski et al. (2014) verificaram a viabilidade técnica da substituição total e parcial da areia natural por RCD vermelho e cinza para argamassas de revestimento. Os RCD vermelhos eram compostos por blocos cerâmicos estruturais, tijolos maciços de vedação e uma minoria de telhas cerâmicas. Já os RCD cinzas eram restos de argamassas e entulho de concreto. Os rejeitos passaram por um britador de mandíbulas, em seguida por uma máquina de abrasão Los Angeles e, por fim, por peneiramento. Foram confeccionadas seis paredes de 60 x 60 cm em alvenaria com blocos cerâmicos de vedação de 21 furos, assentados com argamassa de assentamento e chapisco pelo mesmo profissional, respeitando o nível e prumo, permanecendo em cura por 28 dias para receber as diferentes argamassas. Foram feitos corpos de prova com substituição de 10%, 25%, 50%, 75% e 100% de areia por RCD, empregando o cimento Portland do tipo CP IV-32 e cal hidratada do tipo CH-II na proporção de 1:2:8 (cimento, cal, agregado miúdo), com o teor de água/cimento de acordo com a consistência. Em relação à massa específica, as amostras obtiveram praticamente os mesmos resultados (areia natural com 2,630 g/cm³, RCD cinza com 2,625 g/cm³, e RCD vermelho com 2,555 g/cm³). Na resistência à tração na flexão, com exceção da argamassa com RCD 100% vermelho, houve um resultado superior em praticamente todos os corpos de prova em relação à argamassa de referência (sem RCD); o melhor resultado do RCD cinza ficou para a argamassa com 75% de resíduo, chegando a 1,95 MPa, enquanto para o RCD vermelho ficou para 25% atingindo resistência de 2,13 MPa. Em relação a resistência à compressão, a mistura com 75% de RCD cinza atingiu 3,43 MPa de resistência, enquanto a mistura com 25% de RCD vermelho atingiu 3,22 MPa. Desde o momento da aplicação as argamassas apresentaram fissuras, as quais tornaram-se visíveis entre 1 hora e 2 dias de aplicação; os principais fatores para o ocorrido seriam o alto teor de finos dos agregados e a elevada relação água/cimento das argamassas. Todas as amostras apresentaram fissuras, mas as fissuras nas argamassas com RCD vermelho foram mais significativas quando comparadas com as da argamassa de referência. Silva et al. (2017) realizou um estudo de desempenho mecânico em argamassas com RCD provenientes de resíduos de blocos pré-moldados de concreto que seriam descartados por não passar pelo controle de qualidade do fabricante. O RCD passou pelo processo de trituração em uma empresa especializada em reaproveitamentos de materiais da construção civil. Os corpos de prova foram feitos com cimento Portland do tipo CP V-ARI, com traço 1:3 (cimento e areia natural), com relação água/cimento de 0,48. Foram realizadas substituições de 0%, 25%, 50% e 75% de areia por RCD. As amostras foram produzidas por meio de um misturador mecânico e mantidos por 24 horas em ambiente úmido para cura inicial. Após esse período foram desmoldadas e submetidas à cura por imersão em água. Aos 28 dias de idade foram realizados os ensaios de resistência à compressão axial para a análise do desempenho mecânico. As amostras contendo substituições parciais de areia por RCD obtiveram um incremento nos resultados da resistência média à compressão em comparação com os das amostras de referência (sem RCD). Os corpos de prova com 0% de RCD apresentaram uma resistência média de 49,0 MPa; os corpos de prova com 25% de resíduos cinza em substituição da areia apresentaram um incremento de 8,16% na resistência em relação aos de referência, enquanto para os corpos de prova com 50% de RCD esse acréscimo foi de 4,1% e para as amostras com 75% de RCD houve um ganho de 2,1%. Todos os teores de substituição do agregado convencional por RCD apresentaram desempenho satisfatório para confecção de argamassa, mostrando viabilidade para produção de novos produtos na categoria. Nos estudos desenvolvidos por Sousa e Oliveira (2017), os autores avaliaram argamassas com a substituição parcial da areia por resíduos provenientes do descarte do processo de fabricação de telhas de concreto. Foram analisados três percentuais de substituição do agregado natural: 10%, 20% e 30%, além de amostras de argamassa sem substituições, a fim de comparações. Foram utilizados o cimento Portland do tipo CP-II-Z-32, um traço em volume de 1:3 (cimento e areia natural), e relação água/cimento de 0,48. Os corpos de prova foram mantidos em um local isolado e envolvidos por mantas umedecidas por 24 horas. Após esse período, foi realizada a desmoldagem dos corpos de prova e as amostras foram dispostas em uma câmara úmida. Foram realizados ensaios de resistência à compressão axial nas idades de 7, 14 e 28 dias. A argamassa sem substituições do agregado natural pelos resíduos de telhas de concreto obteve uma resistência à compressão média de 6,53 MPa; os corpos de provas com 10% de RCD na mistura apresentaram uma resistência à compressão média de 6,08 MPa, sofrendo uma queda na resistência de 6,84% em relação ao traço de referência. Já para as amostras com 20% de RCD, os autores obtiveram uma resistência à compressão média de 4,09 MPa, correspondendo a uma queda de 37,4% em relação à mistura de referência. A redução da resistência foi mais significativa na argamassa com 30% de RCD, obtendo-se uma resistência à compressão média de 3,59 MPa, o que representou uma diminuição de aproximadamente 55% em relação à argamassa de referência. Os resultados dos estudos de Sousa e Oliveira (2017) apontaram que os maiores percentuais de substituição do agregado natural pelos RCD apresentaram queda nos valores de resistência, levando à necessidade de novos testes, com correção da relação água/cimento ou com a utilização de aditivos químicos; todavia, os resultados obtidos com o uso de 10% de agregado triturado de telhas de concreto se mostraram satisfatórios para aplicação em argamassa. Silva e Holanda (2023) utilizaram agregado reciclado de blocos de cerâmica vermelha, provenientes de materiais que se quebraram nos canteiros de obras, como forma de substituição parcial de areia natural, em argamassa para assentamento de blocos. Os RCD foram triturados e, em seguida, analisados quanto à sua granulometria. Os autores estudaram argamassas com 7,50% e 15% de RCD em substituição da areia natural. Foi determinada a resistência à compressão axial da argamassa aos 28 dias de idade e foi observado que a substituição em 7,50% da areia natural pelos RCD apresentou um resultado médio de 3,05 MPa, valor próximo ao da argamassa de referência (sem RCD), que foi de 3,39 MPa, enquanto a argamassa com 15% de RCD atingiu o menor resultado, ou seja, de 1,71 MPa. Rodrigues et al. (2024) produziram argamassas com 0%, 44,16% e 100% de substituição do agregado convencional por RCD, onde foram analisadas as resistências à tração na flexão e à compressão. No referido estudo, em ambos os ensaios mecânicos realizados, os resultados de todas as amostras foram próximos, havendo um pequeno ganho em desempenho mecânico com o uso de RCD. A argamassa com 0% de RCD obteve uma resistência à tração de 2,68 MPa, e uma resistência à compressão de 4,78 MPa; já para a argamassa com 44,16% de substituição do agregado convencional por RCD, os valores obtidos foram, respectivamente, de 2,80 MPa e 5,08 MPa, enquanto para a argamassa com 100% de RCD foram de 2,82 MPa e 5,11 MPa, demonstrando a possibilidade da utilização do referido resíduo em argamassas. Conclusão: Os estudos apresentados demonstram a viabilidade da utilização dos RCD como agregado miúdo em argamassas, de modo promissor para promover a sustentabilidade na construção civil. Analisando os resultados que têm sido obtidos em pesquisas realizadas com o uso de RCD em substituição parcial do agregado natural em argamassas, pode-se concluir que o desempenho mecânico varia muito na medida em que há uma grande variabilidade da qualidade, das características e do tipo de resíduo empregado. Diante disso, pelo fato das pesquisas em torno do uso de RCD em argamassas ainda não terem possibilitado o estabelecimento de critérios, requisitos e padrões normativos seguros para a sua utilização em larga escala, se fazem necessários mais estudos neste sentido, tais como ajustes de traços, teores de substituição de acordo com as características do RCD, uso de aditivos, entre outros, visando obter misturas com desempenho adequado e seguro para diversas aplicações, incluindo revestimentos e assentamentos. A possibilidade de reutilização dos RCD como agregado em argamassas é uma importante forma de se reduzir os resíduos destinados aos aterros e, também, o seu descarte incorreto, trazendo oportunidade de inovação e economia ao ramo da construção civil e contribuindo com o meio ambiente.
Referências
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 13281: Argamassa para assentamento e revestimento de paredes e tetos – Requisitos. Rio de Janeiro, 2005.
BETINI, B. Brasil produz 48 milhões de toneladas de resíduos de construção e demolição. Movimento Circular, 2024. Disponível em: https://movimentocircular.io/pt/blog/brasil-produz-48-milhoes-de-toneladas-de-residuos-de-construcao-e-demolicao. Acesso em 10 Abr. 2025
SILVA, P. C. V.; HOLANDA, D. K. de S. L. Análise da incorporação do resíduo de cerâmica vermelha em argamassa de assentamento de bloco cerâmicos em alvenaria de elevação. Revista Ibero-Americana De Humanidades, Ciências E Educação, v. 9, n. 7, p. 71–79, 2023.
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RUDNITSKI, J. C.; NAKANISHI, E. Y. B.; MOHAMAD, G. Avaliação de resíduo de construção e demolição de cor cinza e vermelho em argamassa de revestimento. In: Anais I Congresso Luso-Brasileiro de Materiais de Construção Sustentáveis. Guimarães, Portugal. 2014.