Ecos & brasas

os ecossistemas brasileiros nas obras dos intérpretes do Brasil

Autores

  • Vinicius Santos Cardoso Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de São Paulo
  • Carlos Francisco Gerencsez Geraldino Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Campus São Paulo https://orcid.org/0000-0003-1401-2400

Palavras-chave:

Ecossistemas Brasileiros, Intérpretes do Brasil, Formação do Brasil Contemporâneo, Raízes do Brasil, Casa-Grande & Senzala

Resumo

Introdução: De acordo com Pericás e Secco (2014), durante os anos de 1920 e 1930 surgiram intelectuais que tinham como objetivo explicar o porquê da condição de miséria e opressão vivida pela população brasileira que se instaurou desde o período colonial. Foi atribuído a esses pensadores o título de “Intérpretes do Brasil”, uma vez que tinham como foco as problemáticas que diziam respeito à sociedade brasileira como um todo. Muitos são os intelectuais que carregam esse título, porém três nomes são os principais a serem lembrados enquanto Intérpretes do Brasil: Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior. As obras desses pesquisadores são disseminadas de forma perene entre diferentes áreas do saber e contribuem de forma significativa para muitos debates como, por exemplo, o que trata da questão da natureza. Segundo as pesquisas de Tavolaro (2011, 2013), Santos (2012) e Lopes, Barreto e Vital (2017), os aspectos naturais brasileiros estão presentes nas obras desses intelectuais e são apresentados muitas vezes enquanto ambiente, meio físico etc. Todavia, até o momento não foram identificadas pesquisas que discutam de forma satisfatória a respeito da presença e de como são apresentados os ecossistemas brasileiros. Tendo isso em vista, esta pesquisa tem como objeto a descrição dos ecossistemas brasileiros nas obras Casa-Grande & Senzala [1933]/(2022), Raízes do Brasil [1936]/(2014) e Formação do Brasil Contemporâneo [1942]/(1997), respectivamente dos autores Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr. Portanto, o problema sobre o qual essa pesquisa se debruça é: são descritos os ecossistemas brasileiros nas obras dos Intérpretes do Brasil? A hipótese desta pesquisa é de que os ecossistemas brasileiros estão presentes nessas obras, mas as características que os compõem são apresentadas em um número de passagens e em riquezas de detalhes variáveis de acordo com a pesquisa de cada autor. Objetivo: Para isso, temos como objetivo analisar, por meio de uma leitura sistemática, as descrições dos ecossistemas brasileiros nas obras dos Intérpretes do Brasil, à luz de Aziz Ab’saber (2006, 2017 e 2021) e Leopoldo Coutinho (2016). E tendo em vista que as obras de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr. tratam-se de uma literatura científica, cada uma possui uma problemática particular. Entretanto, esta pesquisa não tem como objetivo discutir as formulações teórico-conceituais elaboradas pelos autores. Metodologia: A presente pesquisa tem como metodologia a leitura sistemática das obras Casa-Grande & Senzala (2006), Raízes do Brasil (1995) e Formação do Brasil Contemporâneo (1997), à luz das considerações de Leopoldo Coutinho (2016) e Aziz Ab’saber (2021, 2017 e 2006) sobre os ecossistemas brasileiros. Dessa forma, estão sendo levantadas e comparadas as características dos ecossistemas brasileiros segundo as classificações estabelecidas por Aziz e Coutinho, a fim de reunir os elementos que constituem a Amazônia, a Caatinga, o Cerrado, a Mata Atlântica, o Pantanal e os Pampas. Em seguida, são identificadas nas obras passagens nas quais são descritos aspectos da paisagem que remetem, de forma direta ou indireta, aos ecossistemas brasileiros. Por fim, são analisadas as descrições dos ecossistemas presentes nas passagens a partir da síntese das elaborações de Aziz e Coutinho. Considerando que a pesquisa foi desenvolvida na mesma língua em que as obras foram escritas (português brasileiro) e que apenas Raízes do Brasil apresenta diferenças entre as primeiras edições, foram escolhidas para o desenvolvimento da pesquisa a 51° edição de Casa-Grande & Senzala (2022), a 27° edição de Raízes do Brasil (2014) e a 23° edição de Formação do Brasil Contemporâneo (1997). Resultados: Até o presente momento, a pesquisa apresentou resultados parciais promissores com base na leitura preliminar das obras. Na obra de Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil (2014), foram identificadas poucas passagens com potencial de análise. Dentre essas, destaca-se o trecho: “O escasso emprego do arado, por exemplo, em nossa lavoura de feição tradicional, tem sua explicação, em grande parte, nas dificuldades que ofereciam freqüentemente ao seu manejo os resíduos da pujante vegetação florestal” (Holanda, 1995, p. 50). Para descrever a paisagem o autor faz uso unicamente do termo “pujante vegetação florestal”, porém apenas esse é insuficiente para identificar sobre qual ecossistema ele está se referindo. Em sua obra, dentre as poucas passagens identificadas, são comuns expressões como essa do trecho, como por exemplo, “meio tropical” e “zona tórrida”, as quais não se enquadram de forma satisfatória nas características dos ecossistemas brasileiros. Nas obras de Gilberto Freyre e Caio Prado esse tipo de expressão também se encontra presente, mas não é predominante. Em Casa-Grande & Senzala (2022) foram identificadas uma quantidade de passagens que apresentam potencial para análise maior do que na obra de Holanda. Um trecho significativo na obra é uma citação de Sampaio (1928) feita por Freyre: “Aves de formosa plumagem, como o guará, a arara, o canindé, o tucano, grande número de perdizes (ianhambi ou iambu), urus e patos (ipeca), animais como o macaco, o quati, a irara, o veado, o gato (pichana) e até cobras mansas se encontravam no mais íntimo convívio” (Freyre, 2017, p. 167). Nesse trecho o autor enumera de forma exaustiva diferentes espécies que constituem a fauna brasileira, descrevendo espécies particulares (como a arara canindé) ou grupos sem detalhar as espécies (como a arara, o gato e o macaco, por exemplo).Na obra de Freyre são comuns as nomeações de espécies da fauna e flora nas passagens identificadas. Por fim, na obra de Caio Prado Jr, Formação do Brasil Contemporâneo (1997), é a que apresenta a maior quantidade de passagens com potencial de análise dentre as que compõem o objeto dessa pesquisa. Destaca-se nessa obra o seguinte trecho: “Na mata espessa e semi-aquática que borda a bacia do grande rio; em terreno submetido a um regime fluvial cuja irregularidade com volume enorme de águas que arrasta, assume proporções catastróficas, alagando áreas imensas, os igapós […]” (Prado, 1997, p. 212). Observa-se que o autor menciona diferentes características hidrológicas, edáficas e fisionômicas das Matas de Igapó da Amazônia. Assim como nesse trecho, na obra de Caio Prado como um todo são comuns as passagens apresentarem diferentes elementos que permitem identificar os ecossistemas brasileiros.  Conclusão: Mesmo com quase 100 anos da publicação da primeira edição de Casa-Grande & Senzala, Raízes do Brasil e Formação do Brasil Contemporâneo, é inegável a contribuição e a atualidade dessas pesquisas para a ciência. Verifica-se que os ecossistemas estão presentes nas obras de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior, em diferentes quantidade de passagens e qualidade das características descritas. E tendo em vista a ausência de pesquisas que respondam satisfatoriamente a questões como essa, para a geografia, e sobretudo para a biogeografia esse se apresenta como um campo fértil para novas pesquisas.

Biografia do Autor

Carlos Francisco Gerencsez Geraldino , Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Campus São Paulo

Doutor em Geografia. Docente do Instituto Federal de São Paulo, Campus São Paulo. IFSP– São Paulo/SP.

Referências

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Publicado

2025-06-02