A educação cívico-militar no Brasil
uma abordagem foucaultiana sobre o poder
Palavras-chave:
Michael Foucault, Escolas Militarizadas, Escolas Cívicos-Militares, Submssão e PoderResumo
Introdução: Este estudo, desenvolvido na disciplina de Filosofia da Educação do curso de Licenciatura em Química do IFSP Campus Catanduva, analisa a expansão das escolas cívico-militares no Brasil entre 2015-2025. Pesquisas recentes (Andrade, 2021; Oliveira, 2020) apontam que esse fenômeno reflete a crescente influência neoliberal e conservadora na educação básica, alinhada ao avanço de políticas de privatização (Gros, 2002) e ao sucateamento do ensino público (Ferreira, 2020). A militarização escolar, com raízes no século XIX após a Proclamação da República, é examinada à luz da teoria foucaultiana - particularmente através dos conceitos de poder e disciplina desenvolvidos em "Vigiar e Punir" (1975) e "Microfísica do Poder" (1978), revelando como mecanismos autoritários se institucionalizam na educação. Objetivo: A pesquisa analisou as escolas militarizadas no Brasil usando a teoria de Foucault sobre poder. O estudo investigou: as raízes históricas da relação entre militares e educação; como a Comissão da Verdade, a extrema-direita e as propostas educacionais conservadoras se relacionam; e as características atuais dessas escolas à luz dos conceitos de disciplina e poder. A abordagem integrou história, política e pedagogia para entender criticamente esse fenômeno. Metodologia: O estudo analisou a educação cívico-militar no Brasil através de: 1) revisão bibliográfica histórica; 2) legislação educacional, especialmente a LDB (Brasil, 1996); e 3) relatório da Comissão Nacional da Verdade. Essas fontes foram interpretadas com base na teoria foucaultiana. Resultados: Os primeiros de colégios militares no Brasil datam de 1889, com a criação do primeiro colégio militar no Rio de Janeiro. Subsequentemente, foram criados outros 13 colégios que estão inseridos na sociedade até os dias atuais. Todos os colégios integram o Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB), estando ligados ao exército e subordinados à Diretoria de Ensino Preparatório e Assistencial (DEPA) e as PMs estaduais. A militarização da educação no Brasil, ao longo da história, foi influenciada por contextos políticos, sociais e econômicos específicos, muitas vezes associados a "crises de medo" momentos em que o governo e a elite viam a necessidade de controlar ou disciplinar a população para manter a ordem social, evitar conflitos ou promover certos valores. Os historiadores geralmente classificam três tipos de militarização da educação no país. A primeira delas são os colégios militares, que surgiram como uma resposta aos problemas do Primeiro Reinado (1822-1831) e à necessidade de segurança em relação à defesa da costa brasileira. O segundo modelo existente são as escolas militarizadas, essas foram e são escolas públicas (geralmente) municipais cuja gestão foi relegada às Forças Armadas ao longo da história brasileira. E por fim existem as escolas cívico-militares, o terceiro modelo e propostas pelo presidente da república em 2018 como parte de uma estratégia de militarização que se expandiu rapidamente pela educação em todo o território brasileiro. Nesse contexto, estes modelos pedagógicos – sobretudo as propostas mais recentes - são pautados pela hierarquia militar e têm potencial para entrar em atrito com a LDB (Brasil, 1996) em seu artigo 2º, que versa sobre a liberdade de aprender, sobre o pluralismo de ideias e à tolerância como integrantes do processo de ensino, o artigo 3º, a respeito das finalidades da educação e da formação do estudante (preparo para a cidadania e o combate à discriminação) e o artigo 14º, que trata da gestão democrática das instituições e exige a participação da comunidade escolar (profissionais, estudantes e famílias) na elaboração do projeto pedagógico e nas decisões administrativas. Os colégios militares, no entanto, são geridos por instituições castrenses (como polícias militares ou Forças Armadas), com estruturas centralizadas e pouca abertura para a participação democrática. A militarização de escolas em Goiás, como a substituição do Colégio Hugo de Carvalho Ramos (referência em inovação educacional desde 1981) por um modelo militarizado, entra em conflito com esses princípios. Contudo, com o avanço neoliberal no estado de Goiás, as políticas que inserem policiais militares nas escolas receberam aval positivo para sua implementação. Como resultado, o avanço da militarização das escolas tornou-se notório. Em pouco tempo, outras escolas militarizadas foram abertas pelo estado, utilizando a justificativa falha de que a ação policial era necessária para tratar da violência no ambiente escolar, envolvendo docentes, funcionários e discentes. Além disso, houve um desânimo entre os próprios alunos em relação às suas experiências e à depredação do local. Esses argumentos foram utilizados para a transferência do Colégio Hugo de Carvalho Ramos, fundado em 1981. Este colégio apresentava uma estrutura metodológico-pedagógica incrível, destacando-se não apenas na região, mas em todo o país. O colégio contava com salas de música, esportes, ginástica rítmica, além de laboratórios de física, química e biologia, que se diferenciavam das demais escolas da região (Cruz, 2017). Mesmo apresentando diversas atividades extracurriculares que fizeram diferença na evolução de crianças e adolescentes, em 1999, por ser um evento principal e programado, o colégio começou sua transição e, no mesmo ano, já se enquadra como um colégio militar. Esse evento principal é conhecido como o sucateamento da educação, em que o próprio governo, destinado a cuidar da escola, não enviava verba suficiente, acarretando na maioria dos problemas usados como argumento para militarizar a escola. Décadas depois, em 2011, sob pressão de familiares de vítimas e de parte da sociedade civil, foi criada a Comissão Nacional da Verdade (CNV) com o objetivo de investigar e publicizar as violações de Direitos Humanos ocorridas durante o regime militar e proporcionar respostas às famílias que buscavam justiça por seus entes queridos, bem como à sociedade brasileira. Iniciado no primeiro governo Lula e sancionada oficialmente no mandato de Dilma Rousseff, a Lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2011, promulgou a criação da CNV e consequentemente, com o trabalho das equipes estaduais e federal, foram reveladas informações em dezembro de 2014 através da elaboração do Relatório Nacional da Verdade, que sistematizou e apresentou à população diversas histórias encobertas durante os tempos da ditadura (Brasil, 2014). Além de identificar os mandantes e agentes de crimes, torturas e mortes durante o regime autoritário vigente de 1964 a 1985, o documento proporcionou uma resposta para as famílias das vítimas, bem como à sociedade defensora da democracia. O contexto político após o Relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), em 2014, ampliou esse debate. O documento, que denunciou violações de Direitos Humanos durante a ditadura militar (1964-1985), gerou pressão social contra símbolos associados ao autoritarismo, incluindo a expansão de colégios militares. Diante do risco de associarem-se a um passado repressivo, as instituições militares optaram por reduzir temporariamente sua atuação nessa área. Contudo, houveram reações políticas, sobretudo com a eleição de Jair Bolsonaro à presidência da República em 2019, trazendo consigo várias ideologias, por exemplo o neoliberalismo econômico, o conservadorismo social, o nacionalismo e o militarismo no governo (Souza, Galdino Neto, Nogueira, 2024), ao assumir o cargo, implementou rapidamente medidas relacionadas a esse sistema de ensino, sem respaldo pedagógico e metodológico. Já no primeiro mês de mandato, anunciou a criação de uma subsecretaria no Ministério da Educação (MEC), destinada exclusivamente à implementação de escolas cívico-militares em todo o território nacional, distribuídas entre escolas estaduais e municipais. Além disso, elaborou programas didático-pedagógicos alinhados a uma gestão educacional voltada ao ideal militar (Brasil, 2019a, p.21). Assim, torna-se que o processo de militarização das escolas se alinha a valores e ideologias militares, como a obediência, resultando em uma limitação da autonomia e do pensamento crítico dos alunos, outra implementação, já mencionada, foi o PECIM, datada de setembro de 2019, que reforçou ainda mais o conceito cívico-militar. Nele, a atuação de policiais e bombeiros militares passou a se estender aos ambientes escolares, além de oferecer um aparato metodológico padronizado para todo o país. Esse aparato define o comportamento desses profissionais nas escolas, onde, segundo a documentação, desempenharam um papel na gestão educacional, administrativa e didático-pedagógica. Além disso, o PECIM propôs o repasse de 54 escolas estaduais ou municipais distribuídas pelo território nacional (Brasil, 2019b). À luz dos estudos de Michel Foucault (1975, 1978) um dos principais conceitos pertinentes a esta pesquisa é o de biopoder, que correlaciona o poder à vida e examina como o Estado e as instituições (no caso educacionais) exercem controle sobre a sociedade, seja de maneira individual ou coletiva. Esse fenômeno é observado de forma bastante superficial nas escolas, por exemplo, através do manejo arquitetônico das salas de aula enfileiradas, horários sempre muito rígidos, toque de sinal, fileiras, notas e até mesmo suspensão por mau comportamento. Outro conceito forjado por Foucault é do poder como “produtor de realidades”. Valores como a hierarquia e a obediência são frequentemente apresentados como positivos, muitas vezes recebendo estímulos e reforços. Em contraste, comportamentos opostos a esses valores são marginalizados e podem
receber estímulos negativos, que moldam os indivíduos a adotarem um outro tipo de comportamento. Assim, é possível entender como a disciplina atua em instituições educacionais e é internalizada de maneira sutil, moldando o comportamento e controlando as ações sociais de um indivíduo através da repressão. Este panorama contribui para conduzir à - falsa - noção de liberdade, que, segundo Foucault, é "produzida pelas estruturas de poder". Este tipo de liberdade, criada internamente nas escolas militarizadas, evidencia a metáfora de um corpo livre, onde o aspecto disciplinar serve para torná-lo mais passivo e subordinado ao poder, com pensamento próprio limitado. Assim, nas escolas militarizadas, as regras rígidas referentes à disciplina tornam-se normalizadas ou naturalizadas, enquanto as ações que representam o contrário são marginalizadas. Por fim, tem-se um ambiente em que a ausência de questionamento é recompensada e aqueles que ousam pensar criticamente são punidos. Conclusão: A educação é usada como instrumento de controle social, alinhando interesses do Estado e moldando indivíduos dóceis. Escolas não apenas transmitem conhecimento, mas disciplinam corpos e comportamentos, preparando estudantes para o mercado de trabalho e para a submissão às demandas sociais e econômicas. Através de hierarquias, normas e práticas internalizadas, as instituições de ensino formam sujeitos conformistas, perpetuando as estruturas de poder vigentes.
Referências
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